Conheçam João Brasil!
João Brasil
nasceu. Nasceu num berço qualquer de um hospital de interior. Nasceu de uma mãe
menina. Nasceu sem conhecer o pai. Nasceu negro. Nasceu pobre.
João Brasil
foi dado à tia que vivia em uma favela de cidade grande, pois a menina que o
pariu não sabia cuidar nem de si mesma. A tia, mãe de outros três filhos, não
queria aceitar, mas aceitou mesmo assim. Dava a ele leite quando chorava, e uma
cama quando tinha sono. E quando birrava, lhe dava tapas, que foram crescendo
de intensidade à medida que João Brasil adquiria mais idade.
João Brasil
nem se atrevia a chamar a tia de mãe. Ela lhe daria mais tapas caso isso
acontecesse. Sempre ignorado em casa, resolveu sair. João Brasil saiu e viu o
Brasil das grandes cidades, e também das pequenas. Ele tentou estudar, morando
nas ruas, sem nada para comer. Mesmo assim, ia à escola. Lá tinha merenda, e
tinha colegas que o chamavam de pretinho. Sem roupa lavada e envergonhado, João
Brasil parou de ir à escola. Mas mesmo assim sonhava em voltar lá. Pediu
esmolas. Pediu dinheiro e comprou bombons pra vender nos sinais. Novamente,
João Brasil era ignorado. Com fome e frio, tentou emprego. Conseguiu trabalhar
em docas, carregando pescado e outras coisas. Cometeu pequenos roubos, somente
pra se alimentar. Um dia foi pego por um dono de um bazar. Apanhou. Amarraram
João Brasil a um tronco. Deram-lhe socos e pontapés. João Brasil chorou. Chorou
com a alma e com a pele toda machucada. Jogaram ele no meio da rua quando a
polícia chegou. João Brasil apanhou de novo. O chamaram de “pretinho nojento”.
Ladrãozinho pé-de-chinelo.
Pra atender à
lei, uma juíza o liberou, sentenciando João Brasil a pagar em forma de serviços
prestados à comunidade. Enquanto lavava uma delegacia, os agentes e o delegado
nunca o chamavam pelo nome. Apenas era o “Pretinho da Favela”. Tentou arrumar
novo emprego. Um dono de um bar o chamou para lhe prestar serviços. O dono
daquele bar tinha dinheiro, e era assim que João Brasil queria viver. Sendo
dono de algo, talvez de um bar. Mas aquele dono de bar humilhava João Brasil.
Cuspia no chão e mandava ele limpar. Não pagava o que devia pelos serviços. E
João tentava reclamar, e mais uma vez, era ignorado. Tentou pegar o que era seu
no caixa do bar, e acabou sendo pego.
Preso mais uma
vez, João Brasil, já em idade penal, foi parar em uma penitenciária. Lá,
apanhou de outros presos muito mais perigosos que ele. Ele tentou pedir ajuda
aos agentes penitenciários. Eles sorriam e o ignoravam. “Te vira, Pretinho da
Favela”, eles falavam. “Quem mandou querer roubar?”.
João Brasil
saiu da jaula. Conheceu gente perigosa e começou a vender drogas. Nossa! Ele
nunca tinha visto tanto dinheiro. Agora ele tinha o que comer sempre. Tinha
roupas novas pra vestir. Tinha motivos pra sorrir.
João Brasil um
dia saiu na madrugada de seu barraco construído com esforço. Tinha clientes lhe
esperando. “Gente branca e bonita”. E isso ele fazia muitas vezes. Mas João
Brasil tinha que tomar cuidado. Tinha gente querendo seu lugar. João Brasil
arrumou armas. João Brasil começou a matar. E só assim, as pessoas não o
ignoravam. E só assim, João Brasil ganhava certo respeito.
Matou alguns
que não queria por perto. Matou alguns que queriam lhe matar. Matou quem ele
não queria matar. Por medo. Por ter sido ignorado. Por ter apanhado.
Perseguido por
policiais, João Brasil se entregou. Mas atiraram em seu peito. E João Brasil,
de mãos para o alto, viu seu sangue esguichar do coração. Seu espírito ficou
gelado. E antes de morrer, João Brasil ouviu: “Mais um bandidinho pro saco.” E
antes de morrer, João Brasil se lembrou de toda a sua vida. Vida de 19 anos. De
como ele queria apenas ser dono de um bar. De como ele queria ver os colegas de
escola novamente. De como poderia mudar caso tivesse uma chance. E antes de
morrer, João Brasil percebeu que nunca ouviu uma palavra carinhosa da mãe, ou
do pai, ou da tia. Que nunca recebeu um abraço carinhoso de alguém. João Brasil
percebeu, antes de morrer, que não queria violência, e que não foi ele quem
causou a violência, mas foi a violência e a indiferença que o causaram.
Por Roberto Dias.
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