Ruptura - escravo na vida pessoal e escravo na vida profissional

 Você já imaginou se pudesse dividir a sua vida em duas partes? Em uma você seria um cara que viveria normalmente, tendo apenas que ir ao trabalho todos os dias, porém, ao chegar em seu local de trabalho, você esqueceria totalmente a sua vida normal e viveria sua outra vida, uma em que você vive apenas para o trabalho. A parte de você que trabalha nunca afetaria a parte de você que vive normalmente, porém, o contrário seria possível. Ou seja, se quisesse, você, em sua vida normal, poderia pedir demissão. Porém, como pedir demissão de algo que você nem se lembra? Como pedir pra sair de um ambiente que, aparentemente, não te afeta em sua vida pessoal de forma negativa? Já imaginou? Parece interessante, não é? E é. Pois a série "Ruptura" imaginou pra gente e traz essa premissa muito louca. E nosso "guia" nessa história é Mark S., vivido por Adam Scott, que se torna líder de um departamento em uma obscura empresa. Sua vida, e a de muitos que trabalham nessa empresa, é literalmente dividida em profissional e pessoal. Ele é a mesma pessoa nos dois ambientes, porém, incapaz de se reconhecer na vida pessoal quando está trabalhando e vice-versa, já que ele e seus colegas passam por um processo de ruptura mental todos os dias ao chegar e ao sair do trabalho, fazendo com que eles nem sequer se lembrem de quem são do lado de fora.

Em seu primeiro dia como líder, Mark tem que treinar a novata Helly R. (Britt Lower), que chegou para substituir aquele que era seu melhor amigo, Petey (Yul Vazquez), que estranhamente saiu da empresa de forma repentina. No entanto, Helley se recusa a querer viver aquela vida corporativa, tentando fugir dali de todas as formas. Isso e o fato do Petey aparecer para Mark em sua vida pessoal faz com que ele comece a se questionar se o que está fazendo é algo certo, como a corporação faz acreditar. Mas o Mark da vida vida pessoal questiona a empresa de uma forma, enquanto que o Mark da vida profissional questiona de outra. Complicado, né?

 

A série é, em suma, minimalista. Com design de produção limpo, colocando cores verdes e de tom cinza e azulado como destaque, a fotografia é gélida nos dois ambientes, mas de formas diferentes, como se o espectador estivesse mergulhado numa piscina fria em um dia de inverno, sendo que, se sair, o frio aumenta. É mais ou menos o que parece guiar o personagem principal, já que, em sua vida normal, ele parece estar passando por um processo quase depressivo. Enquanto que, em sua vida profissional, ele está sentindo o peso da tristeza pela ida de seu amigo mais próximo lá dentro.

A série critica o engajamento corporativo como há muito não se via. A história aborda linhas narrativas que se confundem e se completam, mas destina seu afiado texto à demagogia da vivência no trabalho. Lá, vemos os trabalhadores sendo motivados apenas no âmbito profissional, sendo que o prêmio para a vida pessoal - um jantar em um restaurante comum - não empolga nem o mais animado trabalhador. De resto, são pequenas festas no trabalho e prêmios quase sem valor nenhum, apenas pelo gosto da competição.

Ao assistir a série, começamos a pensar em como essa coisa de separar vida pessoal da profissional acaba por ser algo que nos escraviza mais ainda, sendo que em nenhum dos dois lados temos escolha como trabalhador comum.

A série pode ser encontrada no canal de streaming AppleTV plus.

Bem, esse é meu pequeno retorno, depois de quase uma ano, só pra recomendar essa fantástica série que é maravilhosamente bizarra
e estranhamente magnética.

Abraços e até a próxima!

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