Cobra Kai - Acerte primeiro (!); Acerte forte (!!); Sem misericórdia (!!!!!!). Será mesmo?

 

 


Vou ser sincero. A série Cobra Kai é novelesca, piegas, cheia de filosofia de caminhoneiro, cafona..., ou seja, tudo que os anos 80 tinham de melhor. E talvez por isso mesmo ela funcione tão bem.

Inicialmente produzida para o Youtube Premium, Cobra Kai foi adquirida pela Netflix e, no canal vermelhinho, tá fazendo um enorme sucesso. Mas por quê? Ela parece tão deslocada no tempo. Bem, ela é e não é.

Pra início de conversa, poucas obras foram tão divertidamente subvertidas como foi essa série. Karatê Kid - A hora da verdade é um filme divertido e, com certeza, mora no coração de muita gente véia como este que vos escreve, e depois de várias continuações que foram caindo em qualidade a cada novo filme, a série foi um sopro de inventividade. 

Agora nós vemos a história do ponto de vista de Johnny Lawrence, o loirinho marrento que toma umas porradas de Daniel Larusso no filme, interpretado por William Zabka. É interessante perceber que, como muita gente que cresceu nos anos oitenta, parece que o velho Johnny parou no tempo. Se tornou um dinossauro. A sua derrota no tatame significou praticamente a sua derrota na vida. Vivendo de bicos e sempre amargurado, ele ainda tem de conviver com a quase onipresença de Daniel (Ralph Macchio) em sua vida, que se tornou um homem bem casado, bem sucedido e com filhos maravilhosos. 

Aqui, o ponto de partida vem da subversão da história do filme, que veio de uma teoria que foi sendo difundida e tomando forma nos Estados Unidos, a de que, na verdade, Daniel Larusso é que era o vilão em Karatê Kid. Isso foi uma piada até na série "How i met your mother", em que Barney Stinson demonstra profundo desprezo pelo personagem interpretado por Ralph Macchio, dizendo que o verdadeiro Karatê Kid era Johnny Lawrence. 

Mas se a série fosse só isso, gente velha amargurada com o presente e dizendo coisas de gente velha, tipo "no meu tempo que era bom", não seria lá uma série muito chamativa. Aqui são introduzidos novos personagens, como Miguel (Xolo Maridueña), que é filho de uma imigrante mexicana, e são vizinhos de Johnny. Seus caminhos se cruzam após Johnny dar uma surra nos garotos que faziam bullying contra ele, remetendo à surra que o próprio levou do Sr. Miyaggi no filme oitentista. 

Esse "choque de gerações", por assim dizer, leva a boas discussões dentro dos temas da série, como o fato de Johnny não entender sua posição machista e cheia de preconceitos nestes tempos de desconstrução da masculinidade tóxica. Acaba que um vai aprendendo com o outro, e se interessar por uma história assim fica bem mais fácil quando já conhecemos os personagens. Outra personagem interessante é Samanta Larusso (Mary Mouser), que, pelo nome, já podemos adivinhar de quem ela é filha, e é o interesse amoroso de Miguel e a causa de conflitos quase extremos entre Daniel e Johnny. Tem também um dos mais instigantes personagens, o franzino Eli (Jacob Bertrand), cujo arco é extremamente interessante, pois ele vai do garoto fraco e calado para o prepotente e intenso Falcão, levando os ensinamentos de Johnny até o ponto de ele quase (???) se tornar um babaca, tal como Johnny era (e ainda é), o que nos leva a mais um tema interessante, sobre como um discurso de violência pode influenciar pessoas facilmente influenciáveis. E é isso o que faz com que o próprio Johnny reflita sobre um dos três pilares de seu dojô, o Cobra Kai, onde ele aprendeu karatê e o local que ele tenta reerguer após chegar ao fundo poço, sendo eles: "Acerte primeiro. Acerte Forte. Sem misericórdia.". Esse terceiro pilar traz grandes problemas para o nosso protagonista, que quer reconstruir o seu presente através de uma reconstrução da sua visão do passado.

A junção das gerações faz o protagonista, e por consequência, o espectador, refletir sobre o "Sem misericórdia". É algo bom quando se trata de enfrentar a vida, mas traz sofrimento a muita gente. E é o que podemos ver ao final da segunda temporada.

Além dos dramas pessoais dos personagens, temos lutas, e muitas lutas, bem melhor coreografadas do que as que vemos no filme, diga-se de passagem. E é muito fácil gostar dos personagens, dos antigos e dos novos. Daí é só colocar a pipoquinha, sentar no sofá ou se deitar na cama, dar o play e curtir, porque a série pode ser piegas, tosca em alguns diálogos e tramas, cheias de filosofia de caminhoneiro, novelesca e cafona, mas como é boa e gostosa de assistir.

Abração n'ocêis tudo e até a próxima!

Bob Dias

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