O sistema te manipula?


Mais um tiroteio na favela. Mais uma vez vemos nos jornais a câmera sobrevoando a favela. O âncora anuncia a morte de dez bandidos e de dois policiais. Ninguém dá a mínima, assim como ninguém dá a mínima pra história de ninguém. Se for ouvir, vai ver que todos tem algo a contar. A televisão mostra policiais levando os corpos, mas sem mostrar muito sangue, que é pra não chocar a sociedade, afinal, sangue choca muito. Morte, não. Mães dos rapazes que foram mortos, moradores da favela, aparecem aos prantos reclamando da truculência policial. Espectadores sentados nos sofás pensam “bem feito”. Policiais comemoram a operação e se mostram resignados pelas perdas dos colegas de farda. É uma guerra.
A nossa guerra diária não tem mísseis ameaçando o conforto dos lares de classe média, nem perigos que nos fazem treinar diariamente a nos esconder nos bunkers contra ataques nucleares. A nossa ditadura é montada com uma engrenagem que fabrica crises, que espalha mentiras, que abre, de forma velada, a temporada de caça aos pobres. Sem isso, os verdadeiros beneficiados pela pobreza perdem seu lugar de reis obscuros. Sem essa engrenagem, o sistema muda, e essa mudança provoca medo nos donos do poder. Por isso manipulam a opinião pública. Por isso fazem você ter raiva ou sentir empatia de acordo com o que querem os donos do poder.
A internet é usada de forma a aumentar essa sensação de guerra fria da comunicação. Polarizar de forma violenta a sociedade é o novo truque. Quer dizer, nem é tão novo assim, mas os meios utilizados é que o são. Hoje, contar uma mentira ou distorcer algo verdadeiro e espalhar é bem mais fácil, e muitos creem no que estão lendo, creem tanto, que mesmo sabendo que são verdades distorcidas ou puras mentiras, não aceitam o que é verdadeiro, pois aceitar incide em confessar a sua ingenuidade, incide em afirmar que foi feito de trouxa.
Muitos creem apenas na justiça. Mas que justiça é essa que criminaliza demais os pobres e livra os ricos? Aliás, não só isso. Quem luta pelos pobres tem a tendência de sumir, de ser assassinado em circunstâncias duvidosas, ou de ser mostrado, através de propaganda massiva de grupos pagos para isso ou de uma aliança entre sujeitos da justiça e de outros poderes, como bandido incorrigível, mesmo que as provas para isso sejam tênues, ou nem existam. Muitos vão seguir o ódio construído por essa propaganda e nem vão questionar a prisão de uns, muito menos a falta de investigação de outros, afinal, o sujeito foi pintado de forma a parecer à opinião pública o maior criminoso, o maior perigo para a nação, mesmo que, se as pessoas usarem a racionalidade, se percebesse que esse perigo de fato nunca existiu.
O que existe é a manipulação. Manipular causando medo ou vilanizando alguém é e sempre foi uma poderosa arma para aqueles que detêm os meios de comunicação.
Primeiro, os poderosos do sistema identificam a pessoa que pode ser um perigo para eles. Tentam fazer dele, através de propagandas massivas, um pária, se não funcionar à primeira vista, cria-se então uma crise. Crise criada, é necessário definir os vilões, ou principal vilão. Isso lhe parece familiar? É questão de poder. Sempre foi. Nessas crises, quem fica mais pobre é quem já é pobre. Pode pesquisar.
Os poderosos dificilmente perdem. Sacrificam um ou outro dos seus para enriquecer a narrativa. Poucos conseguem enxergar os reais desdobramentos. São esses poucos os descontentes. Para eles, os poderosos fabricam outros remédios. Os desqualificam diante da opinião pública. Ninguém é inocente, mas para a maioria, esses são os piores. São grupos que estão sempre à luta, por direitos, por melhorias, por grupos discriminados e marginalizados. Para esses, o remédio é apontá-los como sujeitos contra o bem. Comunistas, terroristas ou algo que o valha. Enfrente o sistema e você será esse tipo de escória. E pior, com essa narrativa endossada por pessoas que serão diretamente beneficiadas caso o sistema se quebre. Mas as pessoas temem de forma absurda o novo. São conservadoras, e por isso, fáceis de manipular.
O medo é a melhor de todas armas para a manipulação. Para isso, cria-se uma narrativa de histeria coletiva. O país pode quebrar. Os comunistas vão transformar todos em pobres, miseráveis e vagabundos. Os terroristas vão invadir e acabar com os lares de todos. Os gays vão acabar com suas famílias e isso tornará o mundo um caos. Se você tremeu ao ler esse parágrafo, certamente você está sendo manipulado.
E então, com você manipulado, pode-se ganhar cada vez mais e mais com sua inércia diante das injustiças. Claro que eles te dão um pouco, bem pouco, e dizem que você pode ganhar mais se estiver bem inserido nessa sociedade, ou seja, se não enfrentar o sistema. Aí você se endivida, constrói ou compra uma casa em um bairro melhor, em uma cidade melhor, e abandona a luta, mesmo cheio de dívidas, com pouco para realmente viver, para aproveitar o tempo com a família ou com algo que você realmente queira fazer, e como você, existem milhões inseridos nesse sistema. Mas você (e esses outros milhões) continua acreditando na sua vitória, e por isso segue todas as regras, e acaba morrendo sem se aposentar e sem nunca ter vivido de fato. Mas antes disso, olha a TV e ri, porque 10 pessoas, moradoras da favela da qual você saiu, morreram nas mãos de policiais, que estão ali para defender não você, mas o sistema no qual você está inserido.
Seu senso de segurança é basicamente esse. Você apenas ri e pensa “bem feito”.

Roberto Dias

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