Sobre "Ela"...
A cena está escura. Você apenas ouve um homem e uma mulher que parecem estar fazendo sexo. Tudo parece muito excitante, mas ao invés de você também se excitar, você sente apenas uma lágrima escorrer do seu rosto, porque você não vê aquilo apenas como uma cena que sugere sexo, mas que sugere a descoberta do verdadeiro amor. Daquele que pode demorar uma vida pra aparecer, ou que nem aparece, mas que quando aparece, você não quer nunca se perder daquilo. Você sofre com as dúvidas e se sente bem por estar assim, simplesmente amando.
Esse é o tipo de sentimento que se tem ao assistir "Ela", o último trabalho do ótimo diretor Spike Jonze.
Vindo dos videoclips e dono de uma filmografia no mínimo instigante, como "Quero ser John Malkovic" e "Onde vivem os monstros", Jonze realiza aqui uma obra que consegue explorar sensações humanas conflitantes, como a dúvida em amar, em se permitir, e a vontade de se jogar ao amor, sem se importar, e pra isso ele se veste de uma extrema sensibilidade, assim como em seu filme anterior, o citado "Onde vivem os monstros", e aqui, como em todos os outros, ele acerta em cheio na escolha do elenco.
Joaquim Phoenix vive Theodore, um homem que está em processo de divórcio com a mulher que ele sabe que sempre amou, Catherine, interpretada por Rooney Mara (A rede social). Ele trabalha em um site que escreve cartas personalizadas, espécies de cartões mais pessoais que aqueles cartões que compramos para dar no dia das mães ou no dia dos namorados. Sua vida se resume a verificar e-mails, jogar videogames na solidão de seu bem equipado apartamento, produzir suas cartas e, de vez em quando, visitar sua amiga (e antigo flerte), Amy, vivida por Amy Adams (A Trapaça). Theo, como ele é chamado boa parte do tempo, compra um novo Sistema Operacional para seu computador. Esse sistema é dotado de uma inteligência artificial única. Com a voz linda e sensual de Scarlett Johansson, seu sistema, que se autonomeia Samantha, começa a demonstrar ser muito mais humana que as pessoas que vemos no dia-a-dia do filme, sempre conversando em seus smartphones, isolados das outras pessoas. Depois de um encontro com uma bela mulher, pela qual não nutriu nenhum sentimento especial (uma ponta da linda Olivia Wilde, de "House"), Theo descobre que sua admiração por Samantha aumenta cada vez mais, de forma a admitir estar apaixonado por seu Sistema Operacional. O que parece, a princípio, uma insanidade, o que é admitido por Amy em uma bela fala - "Toda paixão é uma loucura. É uma insanidade socialmente aceita" - compreendemos o que Theo realmente procura à medida em que o filme nos faz mergulhar nesse mundo, que não é assim tão diferente do nosso. E a fotografia do filme, em suas paletas de cores fortes e limpas, sugere um mundo bem particular, mas não distante do que enxergamos.
No entanto, ao se confrontar com seus sentimentos, Theo começa a perceber que o que ele sente pode apenas ser fruto de sua solidão, solidão essa escolhida por ele mesmo, por não se achar capaz de amar outra mulher nesse mundo que não a sua ex-esposa. Mas, assim como ele questiona a realidade de seus sentimentos (e o quanto isso soa divergente: que sentimento, de fato, é real?), Samantha também se sente insegura por não possuir um corpo. Essa busca nos remete ao que a maioria de nós, humanos, procuramos: o amor verdadeiro, ou o mais verdadeiro possível, uma forma simples de amar, com defeitos ou não.
Phoenix, com seus ombros encurvados, demonstra extrema sensibilidade ao interpretar Theo, e é incrível como ele consegue se despir de sua persona a cada filme que faz, trazendo-nos personagens completamente descaracterizados uns dos outros.
Seu Theo chora de uma forma que temos medo de fazer, mas que, como ele diz em certo momento do filme, faz bem.
O amor está em cada detalhe do filme. Em cada montagem, em cada trilha sonora, cortesia do Arcade Fire, em cada palavra proferida. E sabemos que essa busca, no final, nunca acaba, que sempre nos deixa com esse vazio, com essa dor que muitos não aprendem a lidar.
Abraços e até a próxima,
Roberto Dias
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