Não olhe para cima (Don't look up) e a paródia da vida real.


 

Paródias! Tem quem ame, tem odeie e tem quem é indiferente. É difícil fazer rir. Mais difícil ainda quando se trata de contar histórias que resvalam na realidade, e principalmente, quando a realidade está passando por momentos tão conturbados quanto os que estamos passando agora.

Não olhe para cima (Don't look up. Netflix. 2021) tenta fazer isso, e dependendo do tipo de público que você seja, ele consegue (eu ri bastante, apesar de me incomodar muito em algumas partes).

Escrito e dirigido por Adam McKay, o mesmo do ótimo "A Grande aposta" e do bom "Vice", o filme conta a singela história de cientistas que tentam avisar ao mundo de uma desgraça que está para ocorrer, enquanto o governo se preocupa apenas com seus interesses econômicos ou políticos, e o público está ocupado demais com fofocas de estrelas da música e tem a capacidade cognitiva de entender apenas memes de internet. A desgraça em questão se trata de um meteoro que está seguindo um caminho "suave" até nosso planeta, mas poderia ser a gravidade de nossa situação ambiental (algo no que o filme se baseou pra ser feito), ou poderia ser, também, uma doença que é facilmente transmissível e potencialmente mortal na qual muitos teimam em não acreditar.

Os cientistas, Dr. Randall Mindy e a estudante de doutorado Kate Dibiasky, interpretados, respectivamente, por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence, encontram o astro rochoso, se juntam ao Chefe do Departamento de Coordenação de Defesa Planetária, Dr. Oglethorpe (Rob Morgan) e correm para encontrar a presidente de seu país, Jane Orlean, interpretada de forma extremamente caricatural por Meryl Streep (e acreditem, isso é ótimo), que é uma inusitada mistura de Donald Trump, e suas falas inconsequentes ao público, e Bill Clinton, com uma preocupação desleixada com sua imagem. Ao perceberem que foram um tanto quanto ignorados pela governante, e que esse governo se encontra rodeado de idiotas, desde o filho tosco da presidente, um Jonah Hill mais cínico que nunca, até um chefe de defesa tão ridículo que chega a vender salgadinhos aos cientistas (salgadinhos que poderiam ser dados de graça), Dr. Mindy e Kate, junto do Dr. Oglethorpe, tentam desesperadamente uma forma de avisar ao mundo o que está ocorrendo, encontrando obstáculos na mídia, aquela mesma mídia do "não espalhe medo, espalhe amor e esperança", nos assessores governamentais e na apatia do público.

Não se engane, o diretor, como todo bom americano, vira o olhar para seu país, mas isso não quer dizer que não possamos nos apossar da história para aplicar suas metáforas ao que está acontecendo no nosso país ou no resto do mundo, e é assustadoramente incrível o quanto essa história é parecida com o nosso país, apesar do filme ter sido escrito em 2019, ou seja, antes da pandemia. Uma presidente mais preocupada em negócios e na campanha eleitoral do que com a população e o perigo que esta está correndo, cientistas gritando desesperadamente sobre os danos que poderemos sofrer, artistas que usam qualquer contexto pra fazer shows altamente lucrativos e gerar engajamento nas redes sociais, empresários que dizem que tudo não passa de alarde desnecessário e usam a desgraça pra lucrar. Está tudo lá. Não sei a respeito dos âncoras de TV, porque temos, aqui no país, aqueles apresentadores que, ao invés de tentar aliviar as notícias, as usam de forma a causar frisson de tanto sensacionalismo, a não ser que essas notícias se voltem contra o governo que esses mesmos apresentadores apoiam.

O diretor mistura obras como "Impacto Profundo" e "Armagedom" a "Dr. Fantástico" e até que se sai bem, pois o filme é uma representação de nossos tempos. E isso é arte. Além do que, Adam McKay foi tão incisivo e sarcástico que ou você não entende o filme, ou você entende e ama, ou você entende, percebe que a carapuça serviu e se sente ofendido, e acaba odiando o filme. O ritmo às vezes é irregular, onde piadas e drama se misturam sem qualquer correlação, mas no geral, entendo que o filme aborda esse tema, que é tão sério, adotando o estilo que é adotado no programa de televisão apresentado pelas personagens de Cate Blanchett e Tyler Perry no filme: aliviando, pra tudo parecer menos sério do que realmente é. Temos duas cenas nos créditos finais que descambam o filme pra comédia total. Desnecessárias, mas eu ri pra caramba.

E me perdoem minha ausência, mas estou preparando o meu próprio programa no Youtube e espero que saia o mais rápido possível.

Grande abraço e até a próxima, gente linda!

Beto Dias

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Succession - como aprendemos a amar pessoas tão detestáveis (com muitos spoilers)

Se7en e o senso de justiça de seus protagonistas - análise fílmica.

Mad Max - a estrada da fúria: crítica