Até o último homem
Vamos aos fatos: primeiro, separa-se o homem de sua obra. Mel Gibson tem uma fama desagradável, isso é notório, mas seus filmes são dotados de excepcional sensibilidade, apesar da pouca sutileza no que tange à violência. Mas, com exceção, talvez, de "Apocalypto", a violência gráfica está lá para contar a história, e não como recurso para chamar a atenção. Foi assim com seu premiado "Coração Valente". Foi assim, mas com ressalvas, em seu violentíssimo "A Paixão de Cristo", e é assim com este "Até o último homem".
O problema em suas obras anteriores é a polemização, ou da exposição de certa homofobia em "Coração Valente", ou da pregação católica através da violência em seu "A Paixão de Cristo". Mas aqui não há polemização. Existe apenas a incrível (no sentido de realmente não ser crível) história de um homem de fé, um chamado Opositor Consciente, e que, por causa dessa fé, assume uma responsabilidade peculiar e genuinamente heróica: a de não tocar em armas e, consequentemente, não tirar vidas em pleno campo de batalha na segunda guerra mundial.
O homem em questão é Desmond T. Doss, interpretado muito bem por Andrew Garfield, de "A rede Social". O ator adota um tom tranquilo ao homem que protagoniza a obra. Um sujeito que fala, na maioria das vezes, de forma calma e de voz baixa, até mesmo quando a situação, no caso o treinamento no exército, exige mais atitude dele. Seus colegas de elenco são igualmente interessantes como contraponto aos seus ideais, e também como ligação narrativa e emocional para sua via-crúcis particular. Principalmente aqueles do exército, como o sargento-durão-militar-amante-de-armas, interpretado quase que de maneira caricatural por Vince Vaughn, de "Penetras bons de bico", e seu compreensivo, mas hesitante, capitão vivido por Sam Worthington, de "Avatar".
A narrativa é dividida em três atos. O primeiro mostra a infância de Desmond Doss, sua relação com o pai, Tom, que também lutou na guerra e, por isso, carrega consigo grande frustração por se sentir um homem derrotado e esquecido pelo governo e pelo exército, e também com o irmão, cuja corda narrativa se rompe e nunca é retomada, uma pequena falha do roteiro. Também mostra sua tranquila relação com a mãe e sua paixão, já na juventude, pela enfermeira Dorothy Schutte, vivida delicadamente por Teresa Palmer. Está aí a fórmula romântica perfeita. Temos o herói em seu estado puro. E essa é a história a ser contada. O que não parece ser nada surpreendente, só que daí em diante é que a coisa realmente começa a andar. As motivações de sua decisão em não tocar em armas vão sendo mostradas em doses homeopáticas, pra que entendamos o porquê de suas escolhas aos poucos.
O segundo ato é o treinamento no exército. Suas amizades, os colegas que zombam de sua condição (ou da condição imposta por sua decisão). Tudo um jogo de entrelaçamentos narrativos que irão buscar uma retomada catártica em seus pequenos conflitos dentro do grande conflito, que é a guerra em si, esta brilhantemente encenada no terceiro ato. Os momentos que antecedem a primeira batalha são dignos dos melhores filmes de suspense, e a batalha em si começa tão repentinamente e de forma tão assustadora que lembra os melhores momentos de Sam Raimi em seu "Uma Noite alucinante". Aqui, Gibson não se furta em mostrar a ameaça que são os japoneses por conta de sua natureza pragmática, e também não se furta em mostrar os horrores da guerra com corpos dilacerados por balas e bombas, claro, tudo para salientar o esforço do herói para com sua imposição em favor de sua missão. E que esforço!! Por vezes nos pegamos pensando em como ele pode sair daquela situação, e que aquilo não poderia ter acontecido, ou só acontece em filmes, como nossa avó costuma dizer, o que quebraria nossa credibilidade na história caso ela não fosse baseada em fatos. E o diretor faz questão de mostrar isso no fim (aqui, quem não quiser saber detalhes do fim do filme, pare de ler agora e retorne quando já o tiver visto, pois aviso que vou soltar um pequeno spoiler), não apenas com os costumeiros letreiros finais explicando os pormenores, mas com trechos de entrevistas dos personagens reais que participaram da batalha mostrada no filme, o que torna a experiência bem mais emocionante. E emocionante e incrível é a história de Desmond Doss. Ao fim nos perguntamos, como essa história ainda não havia sido contada?
Abraços e até a próxima.
Roberto Dias
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