Capitão Fantástico
Quando eu terminei de assistir a esse filme, fiquei ali, pensando na forma como vivemos, isso me fez tentar enxergar melhor nossas nuances sociais. Algo que só um dos melhores filmes de 2016 pode fazer.
Com direção que varia entre a leveza lúdica comparada à de Wes Anderson e o drama existencial e filosófico, Matt Ross, que também escreveu o roteiro, consegue captar as nuances tanto dramáticas quanto cômicas sem cair no exagero novelesco. Claro que o roteiro ajuda, e as atuações idem, mas falaremos disso mais adiante.
A história: Ben (Viggo Mortensen) cria seus seis filhos da forma mais natural possível, em uma casa no meio da floresta, sem qualquer contato com o mundo dito "civilizado". Mas se você pensa que esses filhos são apenas crianças selvagens, que matam animais para poderem comer (como faz pensar a primeira cena), está enganado. Eles tem total liberdade para a leitura de qualquer livro, desde física quântica até o clássico Lolita, e com a vantagem de serem estimulados (e até obrigados) a fazer a análise dos livros que leem de forma a acentuar o pensamento crítico. A vida dessa singela família tem uma perturbação quando eles recebem a notícia da morte da mãe. Aliás, a cena em que o pai dá a notícia aos filhos já demonstra a capacidade dramática dos atores e também indica a falta de trato social naquele meio. Ele dá a notícia aos filhos sem rodeios, inclusive dando os detalhes da morte, e o que pareceria uma cena exagerada dá o tom do filme. Cada criança reage de uma forma. Esse episódio força o patriarca a embarcar com os filhos para a cidade, a fim de satisfazer o que pareceu ser o último desejo da mãe, e lá encontram dificuldades para as quais eles não estavam preparados, apesar de todo o treinamento de sobrevivência que tiveram.
A dinâmica tida entre a família até então começa a se abalar a partir daquele ponto, desde as queixas de um dos filhos, que deseja deixar o pai e os irmãos para morar com o avô (Frank Langella), um homem rico e com quem Ben tem certas intrigas, até a análise que Ben faz da sua forma de vida após certo acidente com uma das filhas.
O roteiro é lúdico. Você embarca na história daquela família e até acha possível o meio de vida que eles levam. A crítica ao consumismo está lá. A crítica religiosa também, mas o que faz a diferença aqui é que tudo é embalado num tom questionador e, apesar de alguns exageros (uma criança que sabe de cor a constituição americana), o que vemos ali é um libelo a favor da liberdade de pensamento, de constituição familiar, de escolha religiosa e ideológica (em certo momento, o filho mais velho diz que mudou seu pensamento e se tornou socialista maoísta, abandonando o marxismo), porém, o rigor de Ben a favor de sempre falar a verdade para as crianças, como na cena em que ele explica o que são relações sexuais para sua filha de seis anos, e de agir conforme seu conceito de liberdade, como na parte em que ele sai nu do ônibus que dirige, sem se importar com os transeuntes, faz com que analisemos o fato de que aquele modo de vida pode ser, também, uma forma de imposição autoritária patriarcal, cujas referências culturais dos filhos parecem apenas ser reflexos das referências culturais dos pais, isso faz com que o final seja um tanto quanto fantasioso ou, no mínimo, decepcionante, mas não chega a ser ruim.
Apesar desse tropeço, o filme deixa lá todas as impressões sobre o mundo, sobre a sociedade, sobre como criamos e educamos nossos filhos, e ao ouvirmos a melhor de todas as versões de Sweet Child o'mine, temos a impressão de que tudo pode terminar bem, mesmo que para isso, algumas coisas terminem mal.
Abraços e até a próxima!
Roberto Dias
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