Tropa de Elite: contra ou a favor?



A Polícia é um mal necessário, ou apenas um mal? Sabemos que todos nós precisamos dos serviços da polícia vez ou outra. Sabemos também que a polícia militar brasileira parece ser uma ferramenta institucional utilizada apenas nas esferas sociais mais financeiramente baixas desse país, atuando apenas na remediação de uma doença que poderia ter sido evitada caso houvesse planejamentos sociais para tal, ou seja, na contenção do índice de criminalidade. Vejamos: não vemos a polícia militar entrando em bairros ricos e perseguindo os abastados donos daquelas mansões. O que nós estamos acostumados a ver são policiais invadindo favelas e bairros pobres, geralmente em perseguição aos elementos formadores das castas mais baixas da bandidagem brasileira. Mas sabemos também que esses bandidos são “apenas” frutos da extrema corrupção que assola nosso tão adorado país ou de uma marginalização forçada pelos próprios contextos sociais, onde se criam soldados do caos para se desviar a atenção do que realmente importa. Ou será que disso não sabemos?
 Vamos falar um pouco sobre o filme “Tropa de Elite”, que dividiu opiniões de crítica e público, dentre estes, conservadores e socialistas liberais. Estes detonaram os elementos que tornam o filme uma obra de teor conservador, onde um bandido bom é um bandido morto e onde a truculência policial é a solução para os nossos problemas de segurança nacional, e onde os usuários de drogas são os maiores responsáveis pelas explosões de violência em grandes cidades como o Rio de Janeiro e de mortes de pessoas inocentes. No filme, somos apresentados aos aspirantes a oficiais de polícia Neto (Caio Junqueira) e Mathias (André Ramiro). Os dois são amigos. Os dois são policiais honestos, ou pelo menos tentam ser, dentro de uma instituição quase tão criminalizada (e muitas vezes criminosa) quanto os pobres aos quais eles perseguem em becos e favelas. Também somos apresentados ao grande herói (não sei se caberiam aspas nessa palavra) do filme: Capitão Nascimento (vivido de forma visceral por Wagner Moura). O caminho desses personagens, e de outros que vão se tornando importantes na grande teia tecida pelo roteiro do filme, vão se cruzar e se descruzar de forma brusca e realista. Neto e Mathias são idealistas, querem cumprir com o seu dever de forma magnânima, ilibada. No entanto, os mesmos se deparam com uma instituição que esconde um lamaçal de corrupção e enganação, desde peças de carro que “somem” (leia-se: são levadas por algum policial) sem deixar pistas, até um comandante que sabe das falcatruas realizadas por seus comandados, inclusive compactuando com elas. Na tentativa de acertar as coisas, o aspirante Neto elabora um relatório sobre a situação do seu batalhão de polícia, depois, é claro, de se utilizar da própria teia corrupta em benefício da instituição, recebendo como resposta um sonoro “Quer me foder, aspira?” vindo de seu comandante, o qual teria que ter a competência de consertar os erros apontados no relatório. Porém, ele não o faz, talvez por medo, talvez por também receber sua parte do dinheiro sujo, talvez por simples preguiça ou inaptidão, os motivos são muitos. Diante disso, não enxergando alternativa, Neto convence o amigo Mathias a entrarem para a tal Tropa de Elite do título, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro. É aí que começam os elementos que causaram furor nos socialistas liberais (estes, talvez, não devem ter visto o segundo filme, do qual vou falar mais adiante, e que deveriam ver). O tal batalhão, popularmente conhecido como “BOPE”, tem como comandante e como principal instrutor o já citado Capitão Nascimento, e tem como característica básica servir como catalisadores e soldados principais da guerra urbana e agir em situações de extrema delicadeza, gerando como resultado, ações de exagerada violência, o que nunca é bom para cidadão nenhum. A partir daí, nos são mostradas cenas onde há uma lavagem cerebral tão forte naqueles que buscam a justiça que os tornam cegos para os meios utilizados na intenção de obtê-la, no sentido de que o BOPE é a parte da polícia onde não deve haver corrupção. Do mesmo modo, grande parte do público pareceu absorver esta “lavagem cerebral”, fazendo pensar que aquela brutal violência é a melhor forma de se conseguir resolver os problemas sociais, e que o BOPE é formado basicamente por policiais ditos de boa índole, apesar de sua natureza violenta, o que caracteriza certa dose de conservadorismo na tropa, algo bem parecido é sempre utilizado em filmes americanos, mas ninguém aponta o dedo (ou até aponta, mas ninguém liga), Dirty Harry que o diga.

Muitos vibraram com as chocantes cenas de tortura às quais os policiais submeteram todos que se envolviam com o tráfico, direta ou indiretamente, incluindo aí estudantes de classe média envolvidos no tráfico, onde ONGs servem de apoio para os mesmos abastecerem seu “negócio”. Até aí, tudo bem (ou não?). O fato em questão é que o herói do filme não mede palavra nem esforço para conseguir o que quer, nem que para isso ele tenha que se utilizar dos piores meios possíveis (os fins justificam os meios). Muitos liberais (sociólogos, psicólogos, antropólogos e afins) criticaram a obra, diziam que o filme tira do Estado a culpa pela lamentável situação em que se encontra o país e a coloca nos bandidos da favela, nas minorias pobres e naqueles que querem apenas a sua liberdade em vários sentidos, um tipo de manobra maniqueísta (que é válida, no sentido de que a narrativa tem que ter andamento, mas não é absoluta), na intenção de achar um verdadeiro vilão, palpável e mau, e este foi encontrado na figura do traficante Baiano (Fábio Lago). Talvez eles não tivessem prestado atenção no fato de que, apesar de ser um filme bem elaborado, planejado e com ótimo roteiro, este é apenas, no fim das contas, um filme sobre vingança, onde o policial, Capitão Nascimento, é sim o herói que ajuda Mathias a vingar seu amigo fazendo algo que a maior parte da população deseja, acabando com um bandido. Vale ressaltar que é uma ótima obra escapista, nos moldes dos filmes americanos, onde há policiais corruptos e bons policiais, sendo moldados pela situação ou por alguém com o poder para tal, no caso, os nossos políticos, que são retratados no filme, porém de forma rasa, algo que não ocorre no segundo filme.
Em “Tropa de Elite II – O inimigo agora é outro”, o subtítulo do filme já vem fazendo alusão de que um bandido, chefe do tráfico da favela, é apenas um bonequinho nas mãos de quem realmente tece esse novelo: os políticos, verdadeiros inimigos, que com a ajuda de grandes figuras da televisão e dos próprios policiais, de empresários (que financiam a corrupção em benefício próprio), entre outros elementos, ao invés de representarem o povo, se fazem de populistas e representam apenas aos próprios interesses. O povo, ignorado em serviços básicos, e ignorante, ovaciona aqueles contra quem deveriam se levantar. Parece baboseira revolucionária, mas diante dos acontecimentos em nosso país, só mesmo uma revolução, sem idealismo, mas com humanismo, seria capaz de endireitar esse país que já nasceu torto.

Na história, o Capitão Nascimento acaba exonerado da polícia por causa de um incidente que envolve o Tenente Mathias e uma rebelião no presídio Bangu 1, que, não por acaso, começa por causa da corrupção de agentes penitenciários. Mathias é expulso do BOPE, voltando a atuar na banda normal da polícia militar e se envolvendo indiretamente com a corrupção de seus colegas de farda. Diogo Fraga é um professor que é representante dos direitos humanos, que é contra toda e qualquer atitude truculenta da polícia, e que é um homem honesto. Um representante socialista que acaba se envolvendo na política. Nascimento, após sair da polícia e devido à grande popularidade que adquiriu, acabou se tornando subsecretário de inteligência do Rio de Janeiro, o que fez com que ele começasse a usar a máquina pública contra os próprios políticos, um deles, o próprio governador.
Apesar da visão um tanto estereotipada de certos personagens, o roteiro do segundo filme é nada menos que sensacional no tocante aos aspectos sociais em que se encontra o Brasil, além das cenas de ação, é claro. Do ponto de vista de um público acostumado a obras de caráter denunciativo, como o americano, é apenas um bom filme de ação, nada que justifique uma indicação a um prêmio, por exemplo. Mas em um país onde a população parece se contentar com migalhas, onde as pessoas são extremamente egoístas, se mexendo apenas quando a desgraça o atinge pessoalmente, e onde o crescimento da violência urbana (aliás, não só urbana, diga-se de passagem) é cada vez mais perturbador, é maravilhoso, pra dizer o mínimo, um filme que é bancado em sua maior parte pelo Estado meter o dedo na ferida do próprio Estado como esse faz, e colocando não só os políticos num pacote de roubos, extorsões, falcatruas e corrupção, mas também a própria comunidade dos bairros pobres e favelas das grandes cidades, que se aproveitam de serviços de milicianos, alimentando, indiretamente, o poder da corrupção, serviços estes muitas vezes prestados pela polícia que deveria nos proteger disso, e enriquece cada vez mais a banda podre dos vários setores de nossa sociedade com esse mercado negro, como TV a cabo, internet, gatos de energia, entre outros, incluindo aí os grandes empresários que se aproveitam do dinheiro que têm para ganhar mais dinheiro através do tráfico de influência. Onde os jornalistas, com raras exceções, têm medo de se expor, e alguns com muita razão, como é mostrado no filme, quando uma jornalista, descobrindo a rede de falcatruas entre políticos e policiais, é torturada e morta por estes, e quando um dos personagens do filme vai procurar ajuda de um editor chefe de um jornal, este diz: “que não pode fazer nada, pois recebe ajuda do governo”. A realidade bate na cara quando vemos essas extorsões, o desvio do dinheiro público, o desvio da atenção, quando vemos dirigentes e pessoas influentes sob a proteção policial dando festas em comunidades com o simples intuito de “fazer a social”, mas pelo social, nada feito.
Nesse segundo filme, conhecemos um novo personagem, Diogo Fraga (interpretado, e muito bem, por Irandhir Santos). Diogo é um homem ponderado, idealista, socialista. Inicialmente, este personagem parece se contrapor ao Capitão Nascimento, e acabamos o elegendo como, de início, o antagonista da história, mas aí o roteiro desvirtua essa proposta, nos mostrando que o inimigo, muitas vezes, está do lado do povo, finge ser um protetor, finge ser um justiceiro. Diogo, em uma das reviravoltas do roteiro, acaba se tornando um aliado de Nascimento (meio a contragosto das duas partes, pois um não suporta o outro, o que é perfeitamente compreensível). É aí que percebemos qual a finalidade da história: mostrar que tantos os liberais socialistas quanto os conservadores direitistas precisam achar um ponto em comum nesse território cinza da corrupção brasileira, e se apoiarem de forma mais humana e menos idealista, já que todos lidam com praticamente os mesmos problemas. Essa fantasiosa aliança (e aí a parte mais lúdica do filme), acaba desbaratando quadrilhas, desmascarando pessoas. Mas, como diz o Nascimento, o Sistema se adapta, parceiro. E bater de frente com o sistema é coisa que muitos tentaram. Ou você acha que a juíza Patrícia Acioli, assassinada por policiais em Niterói (RJ) estava apenas brincando de joguinho de cumadre? O Jogo desses caras é complicado... e as regras mudam conforme a necessidade. E caso tudo dê certo para quem luta a favor do povo, ainda restarão os palácios e prédios públicos de Brasília, mostrados na sequência final de “Tropa de Elite 2”. Seria essa imagem um prelúdio para um terceiro filme, onde o inimigo seria ainda pior do que o Governo do Rio de Janeiro (que reflete a situação em outros Estados)? Quem sabe?!! Seria interessante ver a ação do filme se virar contra o Governo Federal. 
No fim, é uma história de um homem que quer justiça, como muitos, apesar de nem sempre usar os meios corretos para obtê-la.

Abraços e até a próxima!

Roberto Dias

Comentários

  1. Acho que seria interessante se você tentasse passar tua opinião um pouco mais enxuta! bj :)

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  2. É sempre bom enxugar o máximo possível, o problema aqui é a complexidade do filme, transposta em imagens simplistas (tanto que fez muito sucesso com o dito "povão"). Mas, no geral, dá pra entender a minha mensagem.

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