De Davi a Golias: David Fincher e seu cinema.

O nome dele consta como assistente de câmera nos créditos de Star Wars Episódio VI - O Retorno de Jedi. Daí por diante, o jovem e desconhecido David Fincher só cresceu na indústria hollywoodiana.

Sua primeira experiência como diretor de cinema foi no filme Alien 3. Mesmo com a pressão dos produtores da Fox Films, ele fez um filme que fugia dos padrões normais, Fincher acabou imprimindo um certo ar anos 70 em sua ficção científica. Ele teve peito pra matar a heroína, Tenente Ripley, interpretada por Sigourney Weaver, fazendo não o melhor filme da franquia, mas o mais intenso com certeza. A história foi mudada dezenas de vezes e teve uma intervenção quase demoníaca por parte dos executivos, mas Fincher conseguiu manter um pé na densidade das personagens, fazendo um filme que, mesmo com muitas falhas, prima por uma qualidade acima da média em produções em que executivos vivem metendo a mão. Mesmo assim, na ocasião do lançamento da edição especial do Blu Ray da franquia, Fincher solicitou que retirassem seu nome dos créditos como diretor, pois não gostou das mudanças feitas pelo estúdio. O estúdio negou e decidiu manter o nome do diretor.

Depois da experiência inicial, Fincher foi chamado pra filmar um roteiro escrito por Andrew Kevin Walker, renomado dramaturgo americano. O roteiro tinha sido recusado por David Cronemberg (seria interessante). Em 1995 estreava Seven - Os sete crimes capitais. Eu poderia dizer que Seven conta a história de um assassino serial que escolhia suas vítimas a partir dos sete pecados capitais, mas seria simplismo da minha parte. A história mostra como o meio influência o homem, ou vice-versa. David Mills (Brad Pitt) é um policial saído da divisão de homicídios. Ele é impetuoso e idealista. Recém casado com Tracy Mills (Gwineth Paltrow), David começa a fazer parceria com o culto e calmo William Somerset (Vivido magistralmente por Morgan Freeman). Nervoso e agitado, Mills é o oposto de seu parceiro, que trabalha de forma calma e concatenada, e ele é o fio condutor de toda a história, que, a princípio, parece simples, mas, se mergulhamos na trajetória dos personagens principais, veremos algo mais profundo no contexto. Brad Pitt disse que abandonaria o filme quando os produtores disseram que iriam mudar o final. Sem o final do jeito que foi, seria um simples thriller. Do jeito que ficou, se tornou um interessante estudo de personagens.

Em 1997, Fincher resolveu investir em algo mais introspectivo e fez um filme indagador travestido de thriller de ação: Vidas em jogo. Na história, um hesitante Michael Douglas interpreta Nicholas Van Orton, milionário que tem tudo na vida e está prestes a completar 48 anos. Ele teme essa idade, pois seu pai se suicidou nesse mesmo período da vida. No entanto, repentinamente, aparece seu irmão Conrad (Sean Penn) lhe oferecendo um cartão-presente e dizendo que é algo que ele nunca imaginaria, mas que tem que seguir certas regras. Nicholas, então, se vê envolvido em um jogo em que todos ao seu redor parecem perseguí-lo. Sem poder contar com a ajuda da polícia, pois a mesma pensa apenas ser um caso de paranóia do milionário, ele percebe que não tem outra opção a não ser escapar com vida por conta própria. Um ótimo filme com um final duvidoso e cheio de artimanhas, Fincher imprimiu um certo estilo em sua filmografia. Sempre com a tela imergida em sombras, o jogo de Nicholas parece um pesadelo, do qual é impossível escapar.

Em 1999, o cinema teve grandes êxitos tanto de bilheteria quanto artísticos. E O Clube da Luta se encaixa na segunda opção. Nesse filme, o cineasta retoma sua parceria com Brad Pitt. Este encarna um dos personagens mais insanos e icônicos dos tempos modernos. Tyler Durden (Pra quem não viu, dê uma olhada no nome do blog). Mas para chegarmos em Tyler Durden, devemos primeiro acompanhar a história do Narrador (Edward Norton). O Narrador é um homem comum. Que trabalha e que faz compras. Que vai ao médico. mas é uma figura que representa o homem moderno. É um homem solteiro de mais de trinta anos. Que não sabe onde mais buscar satisfação em sua vida. O Narrador, então, em uma de suas viagens, acaba conhecendo Durden, que representa tudo o que queremos ser. O homem livre, bom de cama, bom de briga e influente. Cada frase de Tyler Durden ecoa pela mente do espectador como uma ferida. E Durden é a encarnação da liberdade, que se não for controlada, se torna uma ferida. Mas Durden não é apenas isso. Ele incita a morte pra colher a vida - numa das cenas mais interessantes do filme, ele ameaça de morte um pobre homem, caso ele não consiga fazer o que quer fazer - e o faz de forma estridente, pra fazer barulho mesmo. E como fez. O filme não foi um sucesso como o estúdio esperava, mas se tornou cult com o tempo. Pessoas ressaltam as frases venenosas e subversivas do filme a todo momento. Baseado em romance de Chuck Pallahniuk, o filme quase foi cancelado pela Fox, que percebeu a subversão, mas Fincher teve um admirável êxito em colocá-lo no grande circuito comercial.
Em breve, farei um post totalmente dedicado a este maravilhoso filme. Pra mim, a obra-prima de David Fincher.

Dois anos depois, Fincher realizou seu filme mais fraco, O Quarto do Pânico. Nele, Jodie Foster tenta, a todo custo proteger sua filha, interpretada por Kristen Stewart (Crepúsculo), trancadas num quarto totalmente protegido, enquanto ladrões tentam adentrar o famigerado quarto, que está mais para uma fortaleza no meio da casa. Fincher inseriu ali elementos narrativos instigantes, movimentos de câmera que beiravam a afetação, mas não chegou a agradar nem crítica nem público.

Em 2007, Fincher entregou o filme Zodíaco ao público. Brindando-nos com cenas que alternam a violência com seus bem mais contidos movimentos de câmera, o cineasta se encontra mais sutil e faz um filme elegante, sem sobressaltos, mas também instigante, que nos leva a pensar. No início, achamos que a história não vai a lugar algum, mas depois percebemos que a paciência é uma virtude, pois o que vemos é uma história de personagens mergulhados na pressão de algo que buscam incessantemente. No filme, Robert Graysmith (Jake Gillenhal) estuda todos os passos do assassino em série conhecido como Zodíaco. Ele aterrorizou San Francisco nos anos 60 e nunca foi descoberto. Mas o que vemos aqui, é a perturbação de Robert, que era cartunista, e do repórter policial Paul Avery (Robert Downey Jr.). Os dois se uniram na busca por pistas, enquanto a polícia ficava cada vez mais distante do assassino. O filme nos coloca na efervescente década de 60 com cenas fortes envolvendo os crimes e as ameaças do serial killer. Um dos melhores de Fincher ao lado de Seven e O Clube da Luta.

O Curioso caso de Benjamin Button foi o mais leve dos filmes de David Fincher. Mais uma vez aqui, ele tem como protagonista, Brad Pitt, que interpreta o personagem-título. Considerado um filme extremamente emocional, Fincher tenta imprimir um tom mais bucólico, porém, por vezes, ele erra nesse quesito até por ser um diretor extremamente racional, a emoção às vezes parece vazia nesse filme. O filme concorreu a 13 Oscars, ganhando apenas 3 nas áreas técnicas.

Em 2010, Fincher concorreu novamente aos Oscars de melhor filme e melhor diretor, entre outros, mas perdeu, numa das grandes injustiças da academia, com o filme A Rede Social. Nele é contada a história da criação do Facebook e da luta na justiça entre um de seus criadores e principal mentor, Mark Zuckerberg (Jesse Eisemberg) e um de seus finaciadores, o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield). Mas a história se alterna entre momentos da vida dos dois como amigos e da derrocada moral de Zuckerberg frente aos inimigos que arrumou com seu projeto que se tornou um dos sites mais visitados de todos os tempos. Um filme belo e introspectivo, que deve ser visto em silêncio e analisado de forma a entender as figuras ali representadas. Dentro desse microcosmos, Fincher faz a representação das mazelas modernas, que distanciam o ser humano e, ao mesmo tempo, os aproximam.

Millenium - Os homens que não amavam as mulheres foi, até agora, o último filme realizado por Fincher. Baseado no livro do sueco Stieg Larson, que tem Rooney Mara num dos papéis mais fascinantes de uma protagonista feminina. Cheia de tatuagens e de sexualidade ambígua, Lisbeth Salander é uma revoltada mulher que não pode ter a liberdade que almeja por causa de sua natureza perturbada. O estado, então, nomeia-lhe um defensor por não achar ser ela capaz de cuidar de seus bens. Como uma hacker e pesquisadora brilhante, ela se submete a coisas terríveis nas mãos de seu tutor para conseguir o dinheiro que precisa para manter seu trabalho de pesquisa. Em paralelo, Daniel Craig interpreta o jornalista Mikael Blomkvist, que acaba de perder uma causa judicial de difamação iniciada contra ele. Mas o mesmo foi contratado por Enrik Vanger (Christopher Plumer) para solucionar um caso de assassinato ocorrido há quarenta anos. Cheio de reviravoltas, o filme mostra ao mesmo tempo as nuances duvidosas de uma mulher que quer se esconder da humanidade, mas devido ao seu próprio anseio, acaba por chamar mais atenção ainda, já que sua maneira de se vestir é extremamente chamativa, e mostra o envolvimento de seus personagens em uma situação que pode, há qualquer momento, fugir do controle. Com os típicos maneirismos de David Fincher, o filme se mostra um exercício interessante. Pois coloca lado a lado dois personagens diferentes, mas com aspectos internos semelhantes, e suas necessidades.

Até a próxima edição de comentários sobre os diretores, com a análise da obra de Christopher Nolan, diretor dos filmes do Batman  e de Amnésia.

Roberto Dias






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